Nos idos de 97
ou 98, enquanto eu ainda engatinhava no meio musical dos festivais
sul-riograndenses, lembro bastante bem de chegar a diversas rodas de músicos,
como ainda hoje, e verificar meus colegas conversando sobre as linhas melódicas
de improvisação do Jazz ou sobre a harmonia da Bossa Nova ou do Ivan Lins,
ou sobre o Paco de Lucia e o John McLaughlin. Lembro que, pela necessidade
de socialização e espírito gregário inerente ao ser humano, que necessita ser
aceito pelos membros de seu clã, também gastei horas conversando e discutindo
esses assuntos. Porém, nunca me detive muito escutando essas músicas, pois
escuto diariamente o folklore crioulo, entendendo-se isso como a música do
gaúcho rio-platense em todas as suas manifestações e bandeiras, desde o sul do
Paraguay, passando pela Argentina, Uruguay, Rio Grande do Sul e certas regiões
do Chile: a música de nossos antepassados. Sempre me coloquei junto ao meio e
perante meus colegas, como um músico e compositor muito resumido (como
realmente sou), em que a perseverança e o afinco prevalecem em muito sobre o
talento. Porém, tenho consciência que mesmo sem entender-me como uma autoridade
no assunto, conheço razoavelmente bem os ritmos e bases históricas da música e
poesia de meus antepassados. Notem que nem de longe me coloco como um
“dono-da-verdade”. Refletindo ainda sobre o assunto: o meio poético-musical dos
festivais do nosso estado é de cunho essencialmente folklorico (pelo menos isso
é o que rezam os regulamentos de 99% desses eventos), porém, o que vemos em
seus palcos, não corrobora com esse percentual. Digo isso com conhecimento de
causa, pois iniciei nesse meio há mais de 20 anos. Com isso, pergunto: seremos,
alguns poucos mentecaptos, os errados em cultivar a música de nossos
antepassados, aplicando a ela a originalidade de nossos dias e as influências a
que somos submetidos pelo meio em que vivemos (expressão máxima do folklore)?
Até quando seremos os “quadrados” ou “os de boina” ou os “das nazarenas,
chiripás e tolderias”, como somos rotulados por alguns “experts” em música
alienígena, e que muitas vezes nos julgam, mas que botam a panela na mesa
graças ao dinheiro oferecido pelo meio musical onde deveria prevalecer a
verdadeira cultura do gaúcho? Graças a Deus, não sinto mais vergonha e nem me sinto
rebaixado em uma roda de músicos quando discutem o último disco do Chico
Buarque ou as harmonias do Ivan Lins. Com todo respeito a meus colegas, esses
imensos artistas da música brasileira não tocam a Cifra, a Vidalita e o Estilo
Pampeano. O Paco de Lucia não saberá tocar uma Milonga “desencontrada” como
faziam o Cafrune ou o Yupanqui. E nem o Art Vam Damme ou o Dominguinhos vão
tocar chamamé como o Raulito ou o Montiel. Muito menos a Maria Gadu e o
Caetano saberão cantar como se deve uma “Chamarrita de Galpão” ou
“Funeral de Coxilha”. Uma ressalva: sou fã e escuto o Chico Buarque, o Ivan
Lins, o Paco, o Dominguinhos e o Art Vam Damme e adoro ver o Caetano e a Gadu
cantando e tocando violão. Não peço que os colegas não gostem ou neguem a
música de artistas nacionais ou internacionais, quaisquer que sejam, mas que,
pelo menos, reservem uma pequena parcela de seu tempo para entender e executar
corretamente as bases rítmicas de seus próprios antepassados. Termino esse
desabafo com uma constatação: talvez seja por isso que nossa música não
ultrapasse as fronteiras além de nossas próprias vaidades pessoais. E, ao final
desse manifesto, não dirigido especificamente a ninguém e ao mesmo tempo a
todos, não me desculpo se ofendi alguém com minhas modestas opiniões. "Soy
gaucho y canto opinando". A todos os que não gostam do que digo, por
favor, dirijam-se ao final da extensa fila. E meus respeitos a todos os que,
pelo menos, dignaram-se a refletir sobre o assunto.
Guilherme Collares
Bagé, 03 de junho de 2011
Por: Guilherme Collares
Depois das palavras aqui deixadas por Guilherme Collares, a única coisa que resta é dizer ao nossos leitores deste blog."Quem não entendeu o que foi escrito, que va procurar de onde veio"
ResponderExcluirOscar Bueno.
Matou a pau!
ResponderExcluir@natanchiesa